Revista Go Outside conversa com o Negritude Outdoor
- Negritude Outdoor
- 24 de jun. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2024
Esta é a íntegra de uma entrevista feita pela revista Go Outside com o Negritude Outdoor, respondida por Denilson Silva, criador do coletivo, e que serviu como base para a publicação de uma reportagem na revista após o Negritude Outdoor ter sigo laureado com o prêmio Outsiders, em 2022.
GO OUTSIDE - Vamos lá! Faz mais de um ano que nos falamos, para a outra matéria. De lá para cá, o Negritude Outdoor cresceu muito, com cada vez mais gente se tagueando e sendo republicada no IG. Que impacto você sente que o projeto causou até agora?
DENILSON SILVA - Sim, e isto nos anima muito, pois mostrar pessoas negras e suas histórias e presença nos esportes e atividades ao ar livre é nossa motivação desde o início. Infelizmente há um problema grave na questão da representatividade racial no cenário outdoor brasileiro e dar visibilidade aos nossos ao mesmo tempo que possam ser fontes de inspiração para quem chega nas redes do coletivo é gratificante.
Mas um impacto positivo também tem sido na forma como estamos nos organizando como coletivo em si, organicamente, formando uma verdadeira rede de fortalecimento, que ultrapassa o ambiente das redes. Já é um fato para todos nós que nossas histórias devem se conectar para cada vez mais se potencializarem, não à toa que o lema do coletivo é celebrar e convergir, o Negritude Outdoor é um quilombo em expansão.
GO - Além do coletivo, temos indivíduos brilhando. Lá atrás, a Aretha tinha uma aspiração, que virou inspiração pura! Ela realizou o sonho do Everest (ela também é premiada do Outsiders este ano!) e está tendo um impacto enorme no imaginário de muitos negros e em especial, de meninas negras. O quanto é importante, além de pessoas comuns, ter "herois" negros nos nossos esportes e ambientes do coração?
DS - A Aretha merece este e muitos outros prêmios, e que em cada espaço que ela ocupe possa contar sua história para mais e mais pessoas, principalmente a história de uma montanhista experiente que venceu um dos maiores desafios de sua profissão, tendo que vencer vários outros em conjunto, sociais, raciais e relativos a gênero.
Estas referências são importantíssimas, e deveriam estar sendo contadas também para além do heroísmo constante que temos que exercer para ocupar posições onde deveríamos e poderíamos estar naturalmente, afinal, somos mais da metade da população do país, e ainda assim os feitos são realizados a conta gota e tendo que realizar esforços homéricos para alcança-los.
Ir lá e escalar a maior montanha do planeta sinaliza que podemos querer e fazer mais, mas também, no caso da Aretha, sinaliza que há um desequilíbrio entre como as partes de nossa população sonha, baseados em critérios como raça, classe e gênero. Digo isso porque todas estas questões devem ser discutidas a fundo e em conjunto, mas ao mesmo tempo temos de tomar cuidado com qualquer tipo de glamourização e naturalização da superação, já que em uma sociedade justa a única superação a que a Aretha deveria ter se submetido é a esportiva, e não as demais.
Mas sim, é importantíssimo que pessoas pretas de destaque no cenário outdoor possam exercer seu protagonismo e inspirar, atletas como a Aretha Duarte (montanhismo), Carlos Dias (ultramaratona), Glauce Ibraim, Luís Silva, Mateus Martins, Rafa Rebello (escalada), Pedro Marques, Alisson Ferreira, Paloma Galvão, Hendle Santos (slackline), Fernando Santos, Edicarlos Rosinha (ciclismo), entre vários outros do surf, skate, corrida, merecem destaque para também apresentar suas conquistas.
Estes atletas não necessariamente precisam estar inspirando o surgimento de novos atletas, mas principalmente normalizando a presença e entusiasmo de mais pessoas pretas nas atividades outdoor, sinalizando que todos podemos estar lá, das mais variadas formas possíveis, a nível de entretenimento ou profissional.
GO - Todas as vezes que tocamos no assunto em pautas antirracismo fora da "bolha" de aliados, acontece uma enxurrada de comentários que vocês já devem conhecer bem, tentando desautorizar a legitimidade da pauta. O Negritude Outdoor é principalmente um movimento de visibilidade, então imagino que vocês já deram muito a cara a tapa. Como tem sido a resposta? Esse tipo de reação tem diminuído ou aumentado com o tempo?
DS- Sim, os assuntos da pauta racial e as ações da mesma são sempre seguidos de uma série de ressalvas e contrapontos, a começar por frases como “somos todos iguais” ou “todas as vidas importam”. A resposta é simples, nós não somos igualmente representados e respeitados, e isto é um fato!
Um exercício simples é visitar qualquer perfil digital de uma marca outdoor, folhear uma revista ou observar destinos de aventura e questionar, no mínimo, se a parcela preta de nossa população está presente ali. E isso não se resume a números, mas envolve também a forma como somos representados.
Embora estas tentativas de desautorizar a pauta não aconteçam diretamente em nossas redes, e bem comum em outros espaços, e é difícil dimensiona-las, mas certamente refletem o quão doente está nossa sociedade em vários aspectos, a começar pela falta de empatia e senso crítico aguçado.
GO - A Aretha comentou comigo que houve um encontro de escalada na Pedra Bela, me conta um pouco como foi?
DS - Sim, no dia 7 de novembro realizamos nosso primeiro encontro oficial na Pedra Grande de Atibaia (SP). Embora o coletivo já tenha mais de um ano, estávamos bastante cuidadosos sobre realizar algo dessa magnitude devido a pandemia e as medidas que temos que tomar para nos cuidarmos e cuidarmos dos que estão ao nosso redor.
Outros encontros, extraoficiais, já foram realizados antes entre pessoas do coletivo, que puderam se conhecer ou que já moram nas mesmas cidades/regiões, como o pessoal de Minas Gerais ou da Bahia. Mas o que funcionou como um marco foi este, e foi uma experiência rica demais, em vários sentidos, que nos animou a fazermos outros encontros e aumentar cada vez mais essa rede.
Falar sobre o encontro é até bastante significativo para se passar uma ideia mínima do que estamos colocando em pauta e dos nossos propósitos, pois num domingo de sol nós éramos o único grupo de pessoas pretas no local. Em um país onde mais da metade da população é preta! Acesso, diversidade, representatividade, essas questões precisam ser discutidas, entendidas e resolvidas, não é?
GO - Qual tem sido a parte mais gratificante de conduzir o Negritude Outdoor?
DS - O Negritude Outdoor surge da busca por representatividade, mas pretende caminhar além disso, já que o real intuito não é “apenas” mostrar que existimos, mas expandir a presença de pretas e pretos do cenário outdoor brasileiro em todas as escalas. É um ato por representatividade, diversidade e empoderamento! E ver que pretas e pretas abraçam a ideia e se movimentam cada vez mais para serem agentes criativos nos esportes e atividades outdoor é o que nos anima. Há muito mais coisas por vir!
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