Subimos a Montanha: Um Relato Negro da Floresta da Tijuca
- Negritude Outdoor

- 24 de ago.
- 2 min de leitura
Negros. Juntos. Com corpos urbanizados que historicamente foram arrancados da terra e definidos por narrativas que não são as nossas, estamos na trilha, não em busca de fuga despretensiosa da cidade ou de uma mera aventura outdoor, mas de presença. De memória. De conexão.
A trilha até o Pico da Tijuca começa viva, já embrenhada na floresta. As folhas e a terra úmida rangem sob os nossos passos como se a floresta nos reconhecesse. É a segunda maior elevação da cidade, mas ali, entre as raízes expostas e os galhos que filtram a luz, não é o topo que importa — é o caminho. É o resgate.
O Parque Nacional da Tijuca, vendido como símbolo da regeneração ambiental do Brasil Império, esconde camadas de história que tentam não ser contadas: aqui trabalharam negros escravizados para replantar a floresta, enquanto o Império e a branquitude se vangloriavam por “preservar” o que eles mesmos destruíram. E hoje, séculos depois, somos nós que retornamos para reocupar com dignidade o que nos foi historicamente negado.
No coletivo Negritude Outdoor, cada trilha é mais que um passeio. É um manifesto. Nosso corpo negro caminhando entre as pedras, subindo degraus escavados na rocha por mãos antes subalternizadas, é ato político. É reconquista de territórios — simbólicos e reais.
O suor que escorre nos nossos rostos, o fôlego que se reorganiza no ritmo do grupo, as conversas, reflexões e momentos de descontração que nos atravessam, o som abafado da cidade que se dissolve na mata densa — tudo isso reafirma que pertencemos à natureza. Que não somos “outros” na paisagem. Que o verde é também nossa ancestralidade. Estamos livres e à vontade, somos crias de tudo isso.
Lá do alto do Pico da Tijuca, a vista do Rio de Janeiro se abre como uma contradição: cidade construída sobre ruínas e apagamentos, de negros e indígenas, de yourubás e tupinambás, mas que também foi e continua a ser palco de resistências e encontros.
No Negritude Outdoor olhar de cima não é sobre dominação ou conquista — é sobre perspectiva. De cima, enxergamos melhor o que nos foi tirado, mas também o que podemos e devemos retomar. Seguimos desafiando em conjunto a narrativa mentirosa de que esses espaços, naturais foram pensados e construídos para conquista e recreação da branquitude, já que a ancestralidade prova o contrário, basta conhecer, ser e sentir.
Na descida, ninguém é o mesmo. A montanha nos "devolve ao chão", mas com outro espírito. A floresta sussurra nomes que a história oficial, branca e hegemônica esqueceu. E a gente escuta. E caminha. E conta.
Aquilombem-se!













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